Surgiu no Diário Económico online uma notícia (http://economico.sapo.pt/noticias/universidades-em-risco-de-perder-100-milhoes-de-euros-por-ano_124388.html) sobre o risco que as universidades e os institutos politécnicos receariam estar a correr, de perderem 100 milhões de euros de financiamento anual, por incumprimento do "contrato de confiança" assinado com o anterior governo.
O compromisso que as universidades assinaram a 13 de Setembro de 2010 obrigá-las-ia a diplomar em 2014 mais 67366 pessoas do que se mantivessem os números de diplomados em 2009. A contrapartida correspondeu, nos dois primeiros anos de vigência do acordo, a um financiamento adicional, por via do Orçamento de Estado (OE), de um pouco mais de 9% do orçamento atribuído para 2009.
A memória parece ser curta relativamente à história recente do financiamento do ensino superior público. Os actores vão mudando, dado o curso natural dos acontecimentos, e nem sempre se faz uso das evidências documentais que permitem pôr as coisas em contexto.
O OE atribuído ao ensino superior público pelo MCTES (nos dois governos anteriores, portanto) foi minguando progressivamente ao longo dos anos. Só em 2007, o recuo foi de cerca de 6,5%.
Paralelamente a isto, ao ensino superior público foi imposto um desconto para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) sem qualquer contrapartida de reforço orçamental – ao contrário do que foi praticado no caso das autarquias. Em 2007 foi de 7,5% da massa salarial e nos dois anos seguintes de 11%.
É muito importante saber-se que o OE não chega para as despesas de pessoal das universidades. Até 2010 andaria por volta de 85% – as universidades angariam hoje, além das propinas, com grande iniciativa e esforço, muito mais receita própria que lhes permite funcionar, embora muito abaixo do que deveriam para poderem competir com as universidades estrangeiras.
Assim, mesmo descontando a subida do IVA em 2007 de 21 para 23%, a quebra equivalente de receita pública das universidades, só nesse ano, foi superior a 20%. Comparar este número com as metas de controlo do défice impostas à Administração Pública (AP) dá para perceber como as universidades contribuíram para o dito esforço nacional, deixando para trás toda a AP.
Mas claro, como o desenvolvimento e a saída da crise, aparentemente na opinião dos responsáveis de então, não têm nenhuma necessidade de um ensino superior forte, a coisa compreende-se: exige-se mais contenção a quem não serve para grande coisa, não é verdade? Talvez o ensino superior seja a tal “gordura” de que se fala. Quando se sabe que a maioria dos empresários tem qualificações abaixo da média dos seus empregados, compreende-se que a aposta tenha sido em autoestradas redundantes em vez de no desenvolvimento do ensino superior.

Na sessão pública de assinatura do contrato de “confiança”, o próprio primeiro-ministro disse, e cito sem ter a certeza de o fazer literalmente, que “nem sequer se fazia coisa demais”. “As universidades tinham demonstrado ser capazes de boa gestão” (pudera!) e não se estava a fazer mais do que “repor o nível de financiamento de 2005”. Não se podia ser mais claro, embora dizendo apenas metade da verdade. A diferença global para 2005, contando tudo, era próxima de 200 milhões e não 100 milhões.

E assim se conclui uma história pouco edificante, em que as universidades passaram a ter um orçamento público de base histórica, já velho de 2009, contra a vigente lei de financiamento, com um acréscimo fixo. Como abordagem racional e ajustada à realidade não pode haver melhor, realmente!
O que se prefigura é ainda mais preocupante. Se a memória é curta, em tempo de contenção forçada então é curtíssima. A minha antevisão do que aí vem (oxalá me engane) é que o actual ministro das finanças, pelo que já se lhe conhece, não quererá, na boa tradição dos anteriores, ouvir falar de coisas complicadas quando as receitas são simples. Se for possível aproveitar a deixa do incumprimento do contrato para poupar 100 milhões de uma assentada, tal será feito. Comprometer o futuro? Como diz? Qual futuro? O presente é a troika e o futuro é a troika. E o passado devia ter sido a troika! As universidades que se cuidem.
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